domingo, 7 de setembro de 2014
Clínica
Sinais não verbais da mentira
Psicólogos clínicos têm empregado tradicionalmente sonhos, associações livres, esquecimentos, atos falhos e contradições para descobrir problemas que os clientes ocultam no setting terapêutico
Por Mônica Portella e Maurício Canton Bastos
i magens: shutterstock
A mentira pode ser definida como o ato de enganar alguém deliberadamente, sem antes informá-lo de tal intenção. Omitir informação em um jogo de pôquer não significa estar mentindo, pois é esperado que um bom jogador blefe durante a partida. Da mesma forma, um ator não tem a expectativa de que seu público acredite que os sentimentos e emoções expressos durante o seu desempenho são reais.
As mentiras aparecem frequentemente em situações sociais. Otta (1994) enumera algumas destas situações: a) as pessoas podem mentir em um jantar quando é servido um prato do qual não gostam. Assim, para não ser desagradável, muitos dizem à dona da casa que a comida é ótima, mas que estão de dieta; b) um casal prestes a se separar pode se comportar em público como se tudo estivesse bem; c) um político em meio a um caos econômico pode garantir a população que a situação no país encontra-se estabilizada. Esses são exemplos de mentiras contadas no dia a dia, nos encontros e desencontros entre as pessoas.
Por outro lado, a mentira, às vezes, pode ser danosa, perigosa e até mesmo prejudicial para os envolvidos. É fácil imaginar situações onde a mentira gera implicações graves e, portanto, é necessário identificá-la o mais rápido possível. Essas situações são muito diferentes daquelas que envolvem a mentira social. a) um juiz ao dar o veredicto de um processo deve estar atento aos sinais indicadores de mentira, para proceder com justiça; b) um professor, ao lidar com um aluno que, por diversas vezes, comparece às aulas machucado, poderá aceitar, ou não, a desculpa de que este está sempre caindo, deixando de perceber a situação de violência doméstica; c) o empresário a fim de evitar problemas em uma negociação deve ser hábil para reconhecer sinais de mentira em seus colegas e parceiros de negociação; d) em um relacionamento afetivo-sexual, quando uma das partes percebe que a outra está escondendo algo sério (como uma traição ou desvio de posses do casal), pode sentir-se mal e sofrer, a continuação da mentira pode levar à quebra da confiança, muita vezes, impossibilitando a continuação do relacionamento.
Para decidir se uma mentira é inofensiva (mentira social), devemos nos perguntar como o nosso interlocutor se sentiria se descobrisse que mentimos. Se pensarmos que o interlocutor interpretaria a mentira como quebra de confiança ou tentativa de tirar vantagem, significa que de inocente a mentira não tem nada. Isto quer dizer, provavelmente, que essa mentira é grave, talvez até mesmo prejudicial. Obviamente que isso não é válido para as convenções sociais e gentilezas (mentiras sociais - sem consequência danosa).
Psicólogos clínicos têm empregado tradicionalmente, sonhos, associações livres, esquecimentos, atos falhos e contradições para descobrir problemas que os clientes ocultam no setting terapêutico. Freud e seus colaboradores se utilizaram de tais indícios para trabalhar as contradições com os seus pacientes. Outras abordagens terapêuticas também se utilizam de técnicas para detectar contradições e trabalhá-las no setting terapêutico (Otta, 1994). O comportamento não verbal aparece como uma fonte de acesso aos estados emocionais do cliente e indica contradições entre o que o cliente diz e o que se manifesta em seu comportamento, sendo que o terapeuta pode empregar tais dados em seu trabalho (Portella, 2006).
Podemos destacar outras situações em que o psicólogo é exigido no tocante a responsabilidade de seu julgamento. Ao avaliar um detento para a elaboração de uma avaliação de soltura, o psicólogo deverá ter habilidade para detectar a mentira, pois será um dos responsáveis pelo seu ajustamento à sociedade. Ao fornecer um laudo de guarda de filhos para um juiz, ao lidar com crianças e os seus respectivos familiares ou ao selecionar um funcionário para uma empresa, o psicólogo deve estar atento à possibilidade de dissimulação.
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